Faz hoje 20 anos (ver
Unicef).
É com as crianças e os jovens que trabalho no meu dia-a-dia, é a elas que transmito tudo quanto sei, da música e da vida.
Sinto a forma sincera e incondicional com que se confiam a mim e em mim, sei da responsabilidade de cada palavra ou gesto meu. E do respeito que lhes devo. Por isso, de forma paternal, a elas entrego o meu conhecimento e a minha amizade. Cada aluno sabe que teve/tem/terá em mim mais do que o professor. Confio a cada um a minha arte, e uma grande parte da minha vida.
E porque tenho lido muito de Eugénio de Andrade, aqui deixo um dos seus textos que lhes dedico neste dia:
Em Louvor das Crianças«Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultâneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados — a tais regressos se chama, às vezes, poesia. Essa espécie de terra mítica é habitada por seres de uma tão grande formosura que os anjos tiveram neles o seu modelo, e foi às crianças, como todos sabem pelos evangelhos, que foi prometido o Paraíso. A sedução das crianças provém, antes de mais, da sua proximidade com os animais — a sua relação com o mundo não é a da utilidade, mas a do prazer. Elas não conhecem ainda os dois grandes inimigos da alma, que são, como disse Saint-Exupéry, o dinheiro e a vaidade. Estas frágeis criaturas, as únicas desde a origem destinadas à imortalidade, são também as mais vulneráveis — elas têm o peito aberto às maravilhas do mundo, mas estão sem defesa para a bestialidade humana que, apesar de tanta tecnologia de ponta, não diminui nem se extingue. O sofrimento de uma criança é de uma ordem tão monstruosa que, frequentemente, é usado como argumento para a negação da bondade divina. Não, não há salvação para quem faça sofrer uma criança, que isto se grave indelevelmente nos vossos espíritos. O simples facto de consentirmos que milhões e milhões de crianças padeçam fome, e reguem com as suas lágrimas a terra onde terão ainda de lutar um dia pela justiça e pela liberdade, prova bem que não somos filhos de Deus.» (1)
in Rosto Precário
(1) - Nota do bloguista: filhos de Deus somos... ainda que tantas vezes não o pareçamos, e tanto tempo demoremos a aprender tal.
Miserere mei, Deus: secundum magnam misericordiam tuam.